Chamar as coisas pelo nome certo

Publicado em 14 de junho de 2018

 

Foto: Clarissa Watson (original Unsplash, editada por mim)

 

A sutil arte de saber o que você está sentindo.

No final do maravilhoso filme Na natureza selvagem (1), o personagem principal, após haver adotado um pseudônimo e viajado milhares de quilômetros fugindo de si mesmo, se reconecta consigo e assina seu último bilhete usando o seu nome verdadeiro. A filme termina com a voz dele repetindo "chamar cada coisa pelo seu nome correto".

Eu acho que uma das formas mais proveitosas de resolver um conflito, seja com você mesmo ou com outra pessoa, é começar assumindo exatamente o que se está sentindo. dar o nome certo para o sentimento. Mas, uau, como isso pode ser complicado!

Vamos começar lembrando uma coisa: o inconsciente e o ego estão o tempo todo gerenciando conflitos. Você está lá, vivendo a sua vida, e de repente alguma coisa te incomoda - o comentário de alguém, uma lembrança, uma foto no instagram - e você sente frustração, ansiedade, inveja, seja o que for. Isso é um conflito. Isso é o seu inconsciente dizendo que alguma coisa não está encaixando e incomoda.

Outro dia, eu estava escrevendo em um caderno que eu uso para tirar minhas ideias da cabeça, quando saiu a seguinte frase: "Seria ótimo colocar o projeto X no mundo, mas me dá uma preguiça!". Imediatamente depois de escrever essa frase, minhas mãos continuaram se movendo: "Preguiça, não! Medo. Estou resistindo. Resistência é a palavra certa."

Dizer que estou com preguiça era confortável, porque essa palavra não me suscitava nenhuma emoção. Era só a parte mais superficial e visível das minhas emoções, porque nós enxergamos primeiro o que damos conta de ver: Ah, estou com preguiça, vai dar muito trabalho. O inconsciente faz de tudo para manter em segredo as emoções e sentimentos guardados dentro dele, porque em algum momento da vida aprendemos que sentir aquilo era vergonhoso, indigno, feio. então a gente usa emoções falsas para mascarar as emoções verdadeiras. Uma loucura!

Se eu tivesse comprado a ideia de que estava com preguiça, teria perdido uma oportunidade enorme de enxergar o que realmente estava por trás: resistência em colocar esse projeto no mundo, porque ele me encanta e me emociona, e ao mesmo tempo me dá medo e me tira totalmente da minha zona de conforto. Deu para perceber a diferença?

"Mas qual é o problema de ficar na emoção superficial?", posso ouvir algumas mentes se perguntando. O problema, minha amiga e meu amigo, é que essa autoenganação é a fonte de nossas ansiedades, que viram frustrações, que viram mais ansiedade, e um belo dia você acorda e sente que está infeliz. Você e eu somos complexos demais, lindos demais, profundos demais para nos contentarmos com a superfície. 


Nosso mundo emocional é cheio de nuances. Cada uma das emoções, do medo à tristeza, se expressa de diversas formas, como uma cor que pode ter várias tonalidades. Encontrar o nome certo para a sua emoção é uma arte e um exercício maravilhoso de aceitação e entrega. Dizer "sim, eu estou resistindo a essa ideia", em vez de fingir que o que eu sinto é preguiça, é o que me permite ser sincera comigo e encarar o medo que eu sinto de encarar o meu projeto. eu mereço essa sinceridade.

Da mesma forma, admitir que olhar o instagram de uma pessoa que eu admiro muito tem me causado mais ansiedade do que alegria, é o primeiro passo para eu assumir que uma parte de mim está projetando nessa pessoa os meus desejos mais sinceros de ter uma presença nas redes sociais tão linda e transformadora quanto a dela. Admitir, mesmo que seja só para mim, o que eu REALMENTE estou sentindo, é o mínimo que eu devo a mim mesma. Não faz sentido eu mentir para mim.

E, mais importante do que isso, dar o nome certo para o que estamos sentindo é o que nos permite MUDAR.

Pensa bem: se eu estou criando mil resistências internas ao meu projeto, mas me engano achando que o que eu tenho é preguiça, o que vai acontecer? Eu vou procurar meios de vencer a preguiça, e a verdadeira causa da minha ansiedade, que era a resistência, vai continuar escondida e agindo. Isso parece maluco e contraproducente mas é o que fazemos O TEMPO TODO! O insconsciente é assim mesmo, meio enganador, porque o que está guardado lá dentro são coisas que nós achamos que precisamos esconder.

Marcos passou meses criticando o irmão que havia aceitado uma grande quantia de dinheiro dos pais para fazer um curso no exterior. Ele rotulava o irmão de egoísta por "usar" o dinheiro dos pais, e isso o mantinha em sua zona de conforto, porque ele se sentia justo e protetor dos bens da família. Mas o que estava por baixo de seu ressentimento era a frustração de ter alimentado um sonho parecido por anos e não ter se permitido pedir ajuda para realizá-lo. Ele achava estar ressentido com o irmão, mas estava frustrado consigo mesmo.

Natália sofreu de crises de ansiedade por 2 anos antes de conseguir admitir que o que sentia era muito pesar, e não alívio, por ter cancelado sua cerimônia de casamento após descobrir que o noivo tinha um outro relacionamento. Todos esperavam que ela se sentisse aliviada, e ela mesma temia admitir que se sentia solitária e profundamente entristecida, por achar que isso iria contra a ideia de mulher empoderada e independente que ela tinha de si mesma. Foi só depois que conseguiu admitir PARA SI MESMA que podia ser uma mulher forte e ao mesmo tempo sentir tristeza por ter desistido do casamento, que suas crises começaram a ceder. 


Mas isso não é fácil. É preciso ter um vocabulário de sentimentos, um certo poder de observação, para ler o que está por trás das emoções. E isso a gente aprende com o tempo, com a prática. Inteligência emocional é algo que se desenvolve, do mesmo jeito que a gente desenvolve a inteligência lógica na infância.

Um bom jeito de começar é se observando. Pegue um papel e comece a conversar com você mesmo, como se fosse um entrevistador curioso ouvindo uma história pela primeira vez. Você faz a pergunta e observa o que vem de resposta, mais ou menos como eu fiz quando estava falando sobre meu projeto. No começo é estranho, não desenrola muito bem, mas tudo nesta vida depende de prática, e com o tempo vai ficando simples. Escrever é um dos meios mais eficientes de se acessar o inconsciente.

Outro jeito é procurar um psicoterapeuta. Em tempos de abundância de conteúdos online sobre autoconhecimento, eu continuo sendo entusiasta da psicoterapia tradicional. Precisamos de uma pessoa de fora para enxergar nossos pontos cegos. E quem já fez terapia sabe que não tem nada mais irritantemente maravilhoso do que contar a sua história para a psicóloga e ouvir, como resposta, um "Não é bem preguiça que você está sentindo com relação a esse projeto, né, Verena? Será que não tem alguma resistência aí?".

 

SAIBA MAIS

(1) Na natureza selvagem, direção: Sean Penn. EUA: Paramount Vantage, 2007


É preciso ter um vocabulário de sentimentos, um certo poder de observação, para ler o que está por trás das emoções. E isso a gente aprende com o tempo, com a prática.

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